Aluno: O senhor falou que praticando o método podemos alterar o carma.
Monge
Genshô: Sim e para isso não precisa usar um método budista,
qualquer coisa que você fizer bem e para o bem altera o seu carma. O budismo
não é o dono da verdade é apenas um método, ele não tem a razão absoluta e nem
considera que os outros estão errados.
Aluno:
A prática Zen se faz sentado. Mas quando eu me sento, me sento com uma
motivação. Essa motivação não gera carma? Há a possibilidade de sentar sem
motivação?
Monge
Genshô: Sim e é assim que deve ser. A palavra shikantaza
quer dizer apenas sentar-se. Você não deve sentar para procurar a iluminação
porque essa é uma mente aquisitiva. Quando você senta para meditar tem que
apenas sentar. Só que no início os praticantes de qualquer escola budista
praticam por quê? Porque a vida não está boa. A pessoa vai lá ao centro Zen
procurando algo e então ela quer algo para si, quer serenidade, calma, etc. Mas
ela vai descobrir, logo que der alguns passos, que não tem sentido fazer
aquilo. Então o melhor momento é quando eu pergunto para o aluno por que ele
continua praticando e ele diz: “não sei mais”. Nesse ponto ele perdeu as
motivações materialistas iniciais.
Se alguém chega no centro Zen e pede
para que eu abençoe a carteira para ter dinheiro e conseguir trabalho eu digo:
“faça o seguinte, traga o seu currículo junto com a carteira”. Pego o currículo,
leio, corrijo, “mas e a benção?”, perguntam, e eu digo: “não, tem que corrigir
primeiro e depois fazer uma lista de lugares onde você pode trabalhar”. “Mas e
a benção?”, não tem benção, não tem mágica, por isso monge Zen tem que
trabalhar.
Aluno:
Nosso carma é fruto do que fizemos no passado, mas o que fizemos agora também
gera carma. Mesmo que não façamos nada, alguém vem e faz algo conosco e isso
também gera carma. Até quando vai esse ciclo?
Monge
Genshô: É um problema grande, não é? Você teria que não
reagir, apenas aceitar o que vem. Não significa aceitar a violência e a
injustiça sem protestar e sem tentar mudar a sociedade. Não é isso. Até porque
isso também geraria carma, você tem que mudar para que as coisas não se repitam
e para que outras pessoas também não sejam vítimas do mesmo mal. Mas veja quanto
a humanidade tem que melhorar, você sabe quantos anos nós temos de história
escrita sem guerra? 300 anos de paz. Sempre depois de uma guerra, passam três
ou quatro anos e surge uma nova. Então a humanidade tem muito carma de maldade
e de violência, isso é maior do que a gente imagina. Você precisa primeiro
saber disso e em segundo lugar reagir contra para que outras pessoas não sejam
vítimas do mesmo tipo de coisa. Você precisa tentar influir para que a
sociedade mude e quanto tempo isso vai levar? Um tempo imenso. Eu passei um
período no Japão este ano e eu vivi lá uma outra realidade, por exemplo,
quantos assassinatos temos por ano no Brasil? 58 mil, o que dá 160 por dia. O
Japão já foi um país assim, mas ele lutou contra, eliminou armas e etc. Hoje há
quantos assassinatos no Japão por ano? Entre 4 a 6, por ano. Isso fazemos por
hora no Brasil. Então uma sociedade diferente é possível.
Aluno:
Isso é uma mudança cármica?
Monge
Genshô: Sim. Custou um trabalho imenso e muito tempo, durou
300 anos, mas foram anos em que o Japão se firmou como país pacífico. No fim do
século XIX houve uma restauração do imperador que era xintoísta, então combateu-se o budismo e quem passou a comandar foi o xintoísmo que fazia do imperador uma divindade. A partir
disso criaram um exército, então foi se desenvolvendo a vontade de aumentar o
império e para isso foram feitas guerras, houve a invasão à Coreia e
aconteceram atrocidades horrorosas em vários locais e durante a Segunda Guerra Mundial.
Tudo isso acabou levando a certos resultados. As bombas atômicas não foram muito
comparado com o que aconteceu durante os bombardeios incendiários que criaram
tempestades de fogo, já que as bombas eram feitas de fósforo. 70% das casas do
Japão inteiro foram destruídas nesses bombardeiros porque eram feitas de
madeira e mesmo que você jogasse areia ou água o fogo não apagava. Morreram 120
mil pessoas em duas noites com bombardeios de fogo em Tóquio. Cidades inteiras foram
destruídas e o pior é que isso não tinha efeito. Tinha efeito bombardear
fábricas e não casas, mas isso não impediu que bombardeassem as casas também.
Isso tudo tem um enorme carma, mas hoje, devido a séculos de disciplina ética, se você deixar um notebook num banco de
uma praça no Japão e voltar no dia seguinte para buscar, ele continuará lá e talvez
tenha até mais aplicativos (rsrsrsrs). Então é realmente incrível esse lado civilizatório.
Tem coisas muito ruins, claro. A sociedade, por exemplo, faz uma pressão tão
grande sobre as pessoas que ocorrem 30 mil suicídios por ano.
(continua...)