Aluno:
Como funciona a meditação?
Monge
Genshô: É melhor você vir até o centro Zen e meditar.
Explicação teórica não funciona tão bem quanto a experiência. Vocês devem ter
notado que nós não estamos tão interessados na teoria.
Aluno:
Pensando no budismo como a tentativa de trazer tudo para o aqui agora, como eu
levo isso para a minha vida no trabalho? Como eu não faço planos?
Monge
Genshô: Não vamos confundir planejamento com expectativa.
Quando você medita tem que aprender a não alimentar expectativa e não viajar
para o passado, porque expectativa futura é fantasia e o passado é memória. Mas
quando você está trabalhando e precisa planejar, precisa planejar mesmo. Eu
trabalho como consultor de empresas, o que eu faço é planejar. Mas na hora de
planejar eu planejo, na hora que entro num avião e vou para outro lugar, eu durmo. Antigamente eu sentava e ficava pensando: “vai acontecer
isso e aquilo, preciso preparar a palestra” e esse comportamento me gerava
ansiedade. O primeiro medo mais frequente no ser humano é acrofobia, medo de altura,
e o segundo é falar em público. As pessoas ficam nervosas e eu ficava também, até
que uma mestre me disse o seguinte: “não prepare, se você estiver imbuído do
Dharma ele sai da sua boca”, portanto não me preocupo mais, não gero ansiedade.
Aluno:
Tem uma frase que diz: “de boas intenções o inferno está cheio”, muitas vezes
nós julgamos as ações dos outros, mas pode ser que as pessoas estejam agindo
com a melhor das intenções, mesmo que a consequência gerada não seja boa. Como
funciona isso?
Monge
Genshô: Claro que você deve fazer coisas com boa intenção,
só que você precisa estar consciente dos efeitos. As pessoas mais perigosas do
mundo são as que sabem o que é bom para os outros, porque acham que podem impor
o que é bom. Se vocês prestarem atenção, as grandes tragédias do século XX
foram causadas por pessoas que sabiam o que era bom para o seu povo. Hitler
achou que sabia o que era bom para os alemães, Stálin sabia o que era bom para
os camponeses, então deportou 2 milhões deles para a Sibéria, só que se
esqueceu que eles teriam que comer, beber, morar e etc. Então morreram quase todos.
Isso não é diferente do que Pol Pot fez com o povo cambojano, pensando que
sabia o que era bom para eles.
Hoje, se formos olhar o Oriente Médio,
toda aquela gente que está se matando sabe o que é bom. Os alauítas sabem o que
é bom para os outros, os xiitas também, o estado islâmico, os israelenses, etc.
E todos estão com armas nas mãos tentando convencer o resto a seguir os seus
modelos. Mas se você vem até uma sangha budista, pode ser tibetana, Zen, tanto
faz, você chega e vai embora e ninguém diz nada. Se não voltou, voltou depois,
continuou vindo, seja como for, ninguém diz nada. As sanghas budistas são
lugares onde você vai, aprende algumas coisas e pronto. Se alguém quiser
praticar tudo bem. Se ninguém quiser, também está tudo bem. Tem muito tempo e
depois nós não acreditamos que as pessoas precisam ser salvas, convertidas ou
qualquer coisa. As pessoas não precisam disso. Um monge esses dias me escreveu
dizendo: “descobri que não sou um bom monge e quero deixar de ser, o que eu
tenho que fazer? Qual é a formalidade que tenho que seguir?”. Respondi:
“nenhuma, entregue seu manto e pronto”. Ninguém vai dizer nada, a vida é dele,
o voto é dele, se ele não quer mais ser monge ele deixará de ser e pronto.
Aluno:
Por que as pessoas querem as coisas que não tem?
Monge
Genshô: Porque toda riqueza do mundo não é suficiente para a
ambição de um homem só. As pessoas sempre querem mais e a liberdade está em não
querer. Eu estava conversando com a Rachel hoje e comentei: “sabe que
propriedades eu tenho agora? Nenhuma. de todas eu me livrei. Não tenho mais
problemas, ninguém mais pode me tirar uma propriedade”.
Aluno:
Tenho facilidade em entender a questão de uma mulher que faz um aborto ou que
abandona um filho, mas a maioria das pessoas não vê o lado de quem faz isso,
então essas mulheres acabam criminalizadas. Como o Zen vê a pena de um ato que
é considerado crime pela sociedade?
Monge
Genshô: Em princípio o Zen vê como retribuição cármica. O
budismo não apoia pena de morte, para ele isso não resolve muita coisa. Você mata
um sujeito estuprador, por exemplo, e numa outra manifestação o mesmo carma
violento voltará. Então isso não resolve. É melhor eu mantê-lo retido e dar uma
chance para que ele possa se reciclar. Agora, eu queria que vocês dessem uma
olhada num documentário chamado “Dharma Brothers” que fala sobre a implantação
de meditação dentro de presídios que abrigam condenados por crimes horríveis.
Aliás, tenho um exemplo ainda mais próximo, em Joinville uma pessoa da sangha
começou a fazer um trabalho numa penitenciária. Ela é pianista do Bolshoi e
começou a fazer esse trabalho com as piores pessoas, os condenados. Recentemente
tivemos um concerto com um desses rapazes que começou a tocar violino e agora
toca muito bem. O crime dele foi matar a própria mãe. Então é possível resgatar
uma pessoa que faz um crime horroroso? Sim, é possível. Basta mudar a mente da
pessoa.
O budismo não pensa em julgar as
pessoas, a sociedade julga pelo sistema de direito e pela justiça, mas não temos
nenhuma ilusão de que a sociedade consiga julgar adequadamente, já que não
temos nem conhecimento de todas as circunstâncias que estão envolvidas, por
exemplo, num aborto. Muitos estupradores também foram vítimas de violência e
depois se tornam agressores. Você consegue julgar o conjunto inteiro? Não
consegue, mas a sociedade tem que reter essa opinião pessoal e coibir o crime,
porque se ela não fizer isso o crime se torna impune e cria um problema. Nós
temos esse alto ritmo de assassinatos no Brasil e qual é o número de
condenações por crime de morte percentualmente aqui? É 8%. Se você matar alguém
no Brasil você tem 92% de chance de não ser punido e agora você se admira do
número de mortes ser tão alto? É uma questão de custo benefício. A mesma
questão funciona para outros crimes. Aquele que rouba dinheiro da nação mata
pessoas em filas do INSS, cega pessoas em hospitais, faz um mal imenso e no
entanto nós temos até hoje uma cultura de impunidade disso. Pensamos: “ele fez,
mas outros também fizeram”, como se um erro justificasse o outro e assim as
coisas seguem da mesma forma.
A sociedade tem que coibir o crime, mas
isso é diferente da sua pergunta de “como o budismo vê?”, o budismo vê que tudo
tem motivo e os motivos são internos dentro daquela mente e aquela mente só
pode mudar se for alterada. A sociedade não pensa “vou mudar a mente daquela
pessoa”, ela pensa “vou coibir o crime”. A maioria das pessoas é boa, mas basta
1% da população cometer crimes para que tudo vire um inferno. Eu entro num
hotel, por exemplo, e pago apenas na saída. Isso seria impossível se 10% das
pessoas destruíssem, roubassem e saíssem sem pagar. Então nós ainda vivemos
numa sociedade de confiança. É muita pouca gente que é má, mas eles são
suficientes para desestabilizar a sociedade.
Fim.
Aluno:
Uma vez um Monge chinês disse que nós deveríamos agradecer muito a oportunidade
de nascermos humanos. E eu vejo o senhor falar em vidas passadas, mas ao mesmo tempo
fala da não existência de um eu. O que existe então em vidas passadas?
Monge
Genshô: Vou dizer uma frase que resume: o eu é um eu de
agora, mas o carma é continuidade permanente. É o carma que gera identidade,
que gera eus e não são os eus que geram carma. Sua pergunta parte do princípio
que eu existi numa vida passada e tenho uma mochila de carma que saio levando
para as próximas vidas, mas não é assim. É o carma que provoca o movimento e me
gera, gera a minha mente, quando meu eu desaparece o carma continua e gera uma
nova manifestação que por sua vez, diz a si mesma “eu sou”.
Fim.