Aluno – Estou lendo um filósofo que fala
sobre a secularização. Nos dias de hoje, numa sociedade tão secularizada,
distante, profana, ele propõe algo como uma sociedade pós-secular, onde os dois
mundos poderiam e deveriam conversar, e eu percebo o Zen no ocidente com uma
apresentação um tanto quanto secular no discurso, que possa ser talvez
palatável para o ocidente e ao mesmo tempo com seus rituais e tradições. O que
o senhor acha dessa dualidade?
Monge Genshô – Eu acho que a ideia é
interessante, acho que o budismo tem essa enorme capacidade de adaptação. Essa
imagem da água, que a gente diz no Zen, “seja como a água”, ela está muito
certa para o Zen. Eu acho mesmo, quando olho para a minha atuação no mundo como
profissional e como monge simultaneamente, que ela expressa isso, que esse é o
meu problema. Então, você tem que saber transitar nos dois mundos e acho que há
uma grande perda nessa secularização no mundo ocidental e no mundo oriental.
Nós não devemos idealizar o mundo
oriental, pois o mundo oriental se rendeu ao ocidente culturalmente e daí adota
técnicas, formas, costumes, e a prática espiritual está sendo de certa forma esquecida,
jogada fora. Isso aconteceu fortemente no ocidente com algumas igrejas que
resolveram se secularizar, aí começaram a jogar fora seus rituais, a jogar fora
a maneira como os religiosos deviam se vestir, etc. No início se pensava que
isso ia aproximar e trazer o povo para dentro da instituição religiosa, mas não
foi isso que aconteceu. E essa tentativa de secularização do caminho espiritual
trouxe um enfraquecimento do caminho espiritual. Então nós não podemos ceder à
secularização .
Na hora de ser monges nós temos que ser
monges verdadeiramente, nós temos que praticar verdadeiramente, nós temos que
ir a fundo verdadeiramente, e não começar a ceder. Isso o ocidente também tem
visto no Zen. Isso é frequente.
Você vai na Europa hoje e as monjas não
querem raspar o cabelo, as monjas querem se maquiar, os monges querem mudar as
roupas, ou querem se desligar da instituição. No discurso de “serem livres”
começa a se perder a própria essência do Zen. É como se o Zen fosse diluído,
como se fosse colocado mais água e fosse diluindo, enfraquecendo, e aí, de
repente, você não tem mais aquilo que era o original.
A mesma coisa vem acontecendo no
oriente, a mesma tendência de transformar a religião num mero negócio ou na
venda de rituais, e isso não é uma coisa que tem acontecido só com o
cristianismo ou com o budismo. Tem acontecido com tudo. Não existe caminho espiritual
fácil ou diluído. Essa diluição é uma coisa que me dá uma sensação de pena,
porque vamos perdendo a essência. Em todos os lugares isso tem acontecido. É
uma tendência mundial em todas as religiões, em todos os caminhos espirituais,
e a força, a mágica da ciência e da técnica vai fazendo parecer que o caminho
espiritual é algo descartável.
E ao mesmo tempo nós vemos um grande
mundo que parece perdido, infeliz, e daí começa a procurar a solução da
felicidade na própria técnica, na própria química , por isso nós temos as pílulas da felicidade, as pílulas
contra depressão, etc. Então eu vejo um mundo que se perde. Para nós é um grande
desafio aprendermos um caminho espiritual sério e trazê-lo para o mundo como
ele é, sem abdicar da tecnologia, sem abdicar de nada, da abundância que a
tecnologia trouxe, e sem abdicar disso conseguirmos manter viva a chama do
caminho espiritual.