quarta-feira, 17 de junho de 2015

CULTIVANDO RESPEITO

Nos sesshins é costume, antes de se mover, fazer um gasshō, que é essencialmente um pedido de desculpas. “Desculpe, vou ter que me movimentar”. O Zen Soto, que é um Zen japonês, é polido, educado. É uma característica da cultura japonesa que passou para o Zen, e eu acho ótimo. Portanto fazer gasshō é um sinal de respeito ao outro. Aí você se movimenta. Às vezes – isso já aconteceu isso comigo – durante a meditação você sente uma coceira e quer tossir ou espirrar. Não tem problema, isso ocorre. Nada grave. Quem quiser levar um lenço ou algum pedacinho de papel, eu levo papel higiênico, pego um pouquinho e coloco na minha manga. Se precisar assoar ou alguma outra necessidade eu uso o papel em minha boca e nariz, para tentar diminuir um pouquinho o som e me aliviar o mais rápido possível, assim não continuo perturbando ninguém.

Entendam: no zazen, essa preocupação com o outro não é uma obsessão. Isso é também uma prática. E quanto mais nós fazemos assim, mais nós vamos levar isso para as nossas vidas. Na nossa convivência cotidiana, com os nossos amigos, nossa família, colegas de trabalho, todo mundo sabe que muitas vezes é difícil. Tem brigas, tem problemas, tem pessoas agindo de maneira egoísta e ficamos irritados com isso. Eu particularmente admito que no dia a dia comum eu fico muito agastado ao ver pessoas apresentando comportamentos extremamente egoístas. Mas a prática nos auxilia justamente por ela ser capaz colocar a nu os nossos próprios aspectos egoístas. Isso nos ajuda não a sermos condescendentes com atos ignorantes, mas a compreender melhor o nível de ignorância, de falta de percepção daquela pessoa ao ser tão egoísta.  Isso nos torna mais compreensivos com os atos alheios, nos faz querer melhorar e ajudar a nós mesmos e aos outros, diminuindo assim o mal do egoísmo na sociedade.

Ao longo de hoje – hoje é o dia que temos mais tempo de prática – procurem praticar o silêncio nesse contexto: o silêncio é a auto-observação. O silêncio é o cuidado ao agir. O silêncio favorece a compreensão, ao me permitir prestar atenção ao bem-estar do outro. O silêncio ajuda a observar melhor o que eu estou pensando do outro, o que eu estou expressando para o outro, o que eu estou fazendo em relação ao outro. Observação, observação, observação. Nos primeiros momentos da prática contemplativa é extremamente fundamental que nós aprendamos a nos observar. Nada vai ser realizado se vocês não conseguirem desenvolver uma observação clara de vocês mesmos. Nos ensinamentos de Buda as mudanças sempre vão começar conosco. E podem acreditar, quanto mais nós trabalhamos a nós mesmos, até de uma maneira inconsciente, nós influenciamos positivamente as outras pessoas. 

Com todo respeito ao local onde nós estamos (estamos em um ambiente cristão), mas nós não vamos fazer milagres. Mas há uma possibilidade muito grande de que através do nosso exemplo como praticantes, nós possamos construir um ambiente à nossa volta, na família, no trabalho, no nosso círculo de amizades, um ambiente muito mais saudável, com menos disputas, menos fofocas, menos julgamentos. Aqui, à medida em que nós nos esforçamos nisso, nós reforçamos o Sangha. A força do Sangha está na capacidade de cada membro do Sangha conseguir reconhecer e trabalhar em si mesmo aspectos que podem não estar favorecendo o grupo. Algumas vezes a gente pode pensar assim: “mas será que vou ter que me cercear? Sou uma pessoa alegre e divertida, gosto de brincar, vou ter que parar de fazer isso? ”. Não, ao contrário. Atitudes simpáticas e alegres são bem-vindas. Mas uma coisa que aprendi ao longo de quase 40 anos praticando o Zen é que você pode ser alegre e relaxado sem ser escandaloso, inconveniente, desrespeitoso. 

Trecho de palestra proferida por Monge Komyô em Goiânia, Maio de 2015.