Eu queria falar um pouco sobre o silêncio. É notório que durante um
sesshin se peça para que as pessoas, os praticantes, mantenham o silêncio.
Evidentemente, como se pode ver, às vezes as pessoas responsáveis pela
organização precisam conversar um pouquinho, sussurrando. Mas aos praticantes,
nós pedimos que mantenham o silêncio. A prática Zen – a prática de Buddha –
propõe o silêncio em pensamentos palavras e atos. Mas o que seria o silêncio,
nesse sentido? Obviamente o conceito nos leva a entender que silêncio é não fazer
barulho. Mas esse é um aspecto, digamos, secundário do processo. O aspecto
principal é fazer com que as pessoas aos poucos consigam compreender o valor da
autorregulação, da autoconsciência, da introspecção.
Eu não sei quantos aqui tiveram a oportunidade de conhecer o Reverendo
Mestre Dōshō Saikawa, o líder da tradição Zen SotoShu na América Latina, um
grande mestre Zen. Saikawa Rōshi é um exemplo muito bom, na minha opinião, de
uma pessoa que se mantém silenciosa mesmo quando está falando e fazendo coisas.
Por quê? Porque as ações e as palavras realizadas por uma pessoa assim, parecem
silenciosas. Elas têm uma espécie de força interior, que nos induz a calar e
prestar atenção. A forma de expressão de pessoas tão centradas como o Mestre
Dōshō Saikawa, têm em si um aspecto que nos chama à reflexão, que nos chama à
observação. Ficamos silenciosos para aprender a observar melhor.
Nós não observamos bem. Nós não percebemos bem a nós mesmos e uns aos
outros. Não temos consciência clara do que fazemos, falamos, pensamos. O
obstáculo que nos impede de perceber as coisas claramente, no âmbito da mente,
é o “Egoísmo”. O egoísmo é uma endemia mental, uma doença endêmica, um fenômeno
de artificialização de necessidades, prioridades, e compreensão do mundo, que nos
torna cegos para os aspectos saudáveis da vida. Os maiores males do mundo são
derivados do egoísmo.
Eu afirmo: não existe um único mal, em nenhum aspecto da natureza
humana, que não seja derivado do egoísmo. No retiro, quando alguém lhes pede o
silêncio, a pessoa que assim o faz esforça-se para ajuda-los a perceber melhor
o egoísmo agindo em vocês. Sendo assim, compreendam a si mesmos. Reconheçam-se.
E, através da prática, com o tempo, aprendam a transformar e curar o egoísmo.
Eu sei que ninguém gosta de ser chamado de egoísta. É uma palavra forte
e às vezes, a pessoa têm boas intenções, bons motivos, e pensa: “eu não sou
egoísta! ”. Mas somos todos egoístas. Realmente, a questão fundamental sobre a
natureza do egoísmo em nossas mentes condicionadas é de nível. Alguns são mais
egoístas, outros são menos egoístas. A prática não é uma disputa, não é uma
disputa para saber quem é mais ou menos egoísta. A prática é de profunda
auto-observação para aprender a reconhecer em nossos pensamentos, nossas palavras
e nossos atos qual é o nível do nosso egoísmo.
Apontar o egoísmo alheio é muito fácil. Reconhecer e aceitar o nosso
egoísmo e pedir desculpas por isso, trabalhar para que isso seja superado, é
mais difícil. Quando eu digo que todos nós somos egoístas eu não quero de
maneira nenhuma que durante a prática alguém se sinta culpado, ou fique
paranoico. Eu estou apenas estabelecendo um fato relacionado a natureza do
fenômeno da mente, segundo os ensinos de Buddha. Estamos aqui juntos. As ações
e as práticas são feitas por todos juntos, unidos. Então uma forma muito boa de
vocês começarem a trabalhar o silêncio é reconhecerem os aspectos egoístas. Nas
palavras do mestre Thich Nhat Hanh, precisamos pensar assim: “o que eu estou
fazendo ou deixando de fazer para favorecer as pessoas que estão praticando
comigo? Para ajudar as pessoas que estão praticando comigo? Para não tirar
tempo delas? Para não as atrapalhar? ”. Se todos nós pensarmos assim, não vamos
nos sentir atrapalhados, incomodados, todos nós vamos realmente praticar
juntos.
Trecho de palestra realizada no Sesshin de Goiânia, em maio de 2015, por
Monge Komyô