Monge Genshô: O que vimos até agora? Que o eu é construído, baseado
principalmente em memórias, não sendo estável. Você acredita nele e acha que é
importante. Pior que isso, quer continuar existindo para sempre e por isso vem
procurar palestras espirituais, porque tem a mesma angústia de Buda (velhice,
doença e morte) e quer uma solução para a morte. Por isso os homens inventam
religiões. E nas religiões os homens continuam existindo depois de morrer. Quando
Bodhidharma pergunta e pede para mostrar a alma e Hui-K'o não sabe mostrar, ele diz “já te despertei”, pois ele
mostra uma coisa muito mais profunda do que ter uma partícula permanente que
sobrevive à morte. Ele mostra que, na realidade, o eu é uma ilusão e que nós
pertencemos a uma algo muito maior e estamos acreditando no eu, e por isso não
despertamos, por isso temos medo da morte.
Se nós compreendermos
verdadeiramente o que é o eu, nem nascimento nem morte tem mais sentido. Então, vamos fazer uma analogia: nós vemos o mar, as ondas na
superfície do mar. O mar existe sempre, as ondas surgem e desaparecem, certo? O
mar é eterno, as ondas não. Se as ondas souberem que elas não são ondas
separadas e sim o próprio mar, elas livraram-se do nascimento e morte das
ondas. Pois quem acredita no nascimento e morte das ondas deveria chorar na
praia a cada onda que morre.
Por que os homens choram quando uma pessoa é velada? Porque
acreditamos nos eus. Como acreditamos nos eus, nós choramos. Como essa angústia
é muito grande, criamos crenças de sobrevivência pós morte, porque acreditamos
numa ilusão chamada eu. Isso é budismo mesmo. Isso é verdadeiramente budismo.
Por isso podemos saber porque budismo não fala nem em deuses e nem em almas.
Essas também são construções nossas para fazer com que o eu sobreviva.