segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Reinos a verdade e o totalitarismo
Pergunta – O mundo dos espíritos seria então um mundo sem forma?
Monge Genshô – Que mundo dos espíritos?
Pergunta – Esses que o senhor citou, espíritos infernais, famintos etc.
Monge Genshô – Sim, é um mundo sem forma, mas todos esses mundos podem ser vistos como meramente didáticos, pois há diferentes listas para diferentes escolas. Não se trata de um artigo de fé. Você pode ver como uma realidade ou como uma alegoria. Durante o dia vivemos todos esses mundos, por exemplo, quando está com raiva você está no mundo dos infernos. Quando você é egoísta, um espírito faminto. Quando você bebe e come demais ou segue unicamente seus instintos, é como um animal. Quando você raciocina, pensa e pondera, você está no mundo dos homens. Quando se torna ambicioso e se mete em disputas pelo poder, é um semi-deus. Quando a vida pra você é muito fácil e há grande abundância, é um deus. Todos esses estágios podem ser vividos durante seu dia.
Pergunta – Durante o caminho, se acontece algo que você pensa que é um insight e que crê que isso seja uma verdade, a atitude correta é conversar com seu professor?
Monge Genshô – A palavra verdade não é muito usada pelo budismo. Eu prefiro chamar de uma “experiência legitima” ou uma “compreensão”. Sim, o correto é conversar com seu professor e se ele confirmar, significa que a experiência dele é igual à sua, mas jamais colocaremos um carimbo atestando ser uma verdade, algo que sirva para todos, algo universal. Significa apenas que foi legítima para você e para seu Mestre. A palavra verdade cria um conceito de exclusão. Esse é o problema maior das religiões, cada uma tem a verdade única e todas as demais estão erradas.
O Zen, que é o método que seguimos, é bom para nós e pode não ser para outras pessoas. Coletivamente somos a soma de muitas verdades diferentes, não existe a verdade de um grupo que possa ser imposta a todos. Essa é a idéia do totalitarismo, minha interpretação do mundo é a verdadeira e todos têm que aceitá-la. Esse tipo de pensamento é exclusivo, de forma que qualquer pessoa que não pense da mesma maneira deverá ser preso, morto ou calado de alguma maneira, pois sua opinião prejudica a totalidade da minha verdade.
O budismo vai no sentido contrário, ele é libertário e constantemente vocês me ouvem dizer que o que eu falo não é para ser acreditado, não desejo seguidores e não sou um guru. O budismo não sobrevive em sistemas totalitários, pois esse regime sempre irá tentar calar a boca de quem pense diferente. O budismo sofreu extermínios em países como China e no Japão do final do século XIX quando a religião oficial era o Shintoísmo e o imperador era descendente direto de Amaterasu-ômikami. Na China as únicas escolas que sobreviveram ao massacre de budistas foram a Escola Chan, da qual descende o Zen, e a Terra Pura outras tiveram que ser refundadas. Na Índia também os budistas foram aniquilados com a invasão muçulmana. Como eles não aceitavam mulheres mestres, destruíram os templos e mataram todas as monjas, acabando com a linhagem feminina de Prajnapathi que vinha desde os tempos de Buda, por isso hoje as mulheres tomam refúgio em linhagens masculinas.
Todos os lugares onde o budismo foi fortemente combatido deve-se ao fato de ser pacifista e pôr em risco a idéia de conquistas e lutas destes governos. Esse discurso todo foi para mostrar que a idéia de que alguém tenha a verdade e que esta deva ser imposta aos outros, não condiz com o pensamento budista. Temos que cultivar uma mente tolerante e compassiva.
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