segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Boas intenções


Pergunta: Mas seria negativo, por exemplo, na hora que sentamos pensarmos assim: “Aqui e agora me sento em meditação em benefício de todos os seres.” Ter uma intenção?

Monge Genshô:  Isso não é zazen. Não é que seja uma coisa ruim você fazer uma dedicação assim, mas, não é zazen. “Estou sentado em benefício de todos os seres”. “EU” estou aqui, beneficiando os “OUTROS” seres. Que sujeito maravilhoso que eu sou! Compassivo, eu sou extraordinário! Beneficiando todos os seres! Depois eu me levanto e vou comer um frango (risos).

Interessante. Isso não tem muito sentido. Então, melhor que você se esvazie. Se tiver que comer o frango, então teria que não ter nenhum pensamento de frango. Teria que ser só alimento ali, mais nada. Onde se introduzir qualquer pensamento do tipo,  “ah, este é outro ser, ah, mataram para mim, ah, como é que foi a morte dele?”, aí está tudo perdido, porque você colocou tudo ali, todos os seus conceitos, então vai ficar impossível. Esse ato só é possível quando não há pensamento. Quem realmente pensa, não pode. No sesshin, o que a gente faz? A comida não tem carne, é vegetariana, mas, se você pensa “comemos aveia de manhã”, mas quando a aveia foi cultivada, muitos seres foram mortos. Então, está cheia de sofrimento a comida que você come. Cheia. Foram colocados agrotóxicos, a terra foi arada, minhocas foram partidas ao meio, etc e tal. Tem muito sofrimento em tudo o que você faz. Então você tem que dedicar e comer, como dizemos, “inumeráveis esforços para que esse alimento chegue até nós”. Você tem que saber que é assim. Deveria ter imensa gratidão e reverência por tudo o que aconteceu para que tivesse na sua frente aquele alimento. Mas você não vai conseguir comer sem causar sofrimento, sem matar. Não vai conseguir. Disso nós temos que estar conscientes.

Nós, esses corpos, somos corpos de predadores. Nós não somos esses seres maravilhosos que nós pensamos. “Somos à imagem e semelhança de deuses.” Nós não somos. Nós somos predadores muito eficientes. Tudo que passou pela nossa frente na história da humanidade nós destruímos. Basta que surja o pensamento “diferente de mim”, e começa a destruição.

Vocês estão vendo no Iraque agora. É o mesmo povo, mesma raça, tudo igual. Mas um colocou o rótulo em si: ”eu sou sunita” e o outro: “eu sou xiita”. Então, agora é guerra civil. Na Ucrânia, a mesma coisa: “Eu sou russo, eu sou ucraniano. Nós temos línguas um pouco diferentes”. Então, guerra civil. Por quê? Porque nossa tradição é matar o diferente, acabar com o diferente. Aqui não tem nenhum índio, né? Nós só temos descendentes de europeus aqui? Há sangue de índio misturado aqui. Eu também tenho. Mas, na verdade, o que os nossos antepassados europeus fizeram foi chegar aqui e eliminar os diferentes. Foi assim. Então vejam que isso está muito impregnado dentro de nós, e para que nós nos sentemos e tiremos de dentro de nós esse “eu” que se sente diferente, separado, é um imenso trabalho. Porque nossa civilização está construída em cima do extermínio do diferente.