Quadro de Eduardo Salinas |
Pergunta – Eu achei curioso quando caminhávamos pelo mosteiro e fizeram reverência à estátua de Nossa Senhora, porquê?
Monge Genshô – Penso que Nossa Senhora de Fátima é uma imagem da compaixão, aí faço a reverência para a imagem da compaixão. Na realidade, o arquétipo é o mesmo de Kanon Bodhisattva, uma figura feminina, amorosa, e compassiva, é só isso. Então fazemos reverências para todas as estátuas, de todas as religiões, e isso acaba dando em coisa muito boa.
Essa construção deste mosteiro é obra do espírito humano, a estátua também é obra do espírito humano. Na realidade é gesso, madeira, pedra, a estátua não é nada. Nós nos inclinamos perante ideias, é a mesma coisa com Buda. Nós não reverenciamos Buda, pois mais morto do que Buda está, é difícil. Reverenciamos a ideia de ser possível acordar, por causa do grande Mestre que ele foi, isso é uma ideia maravilhosa.
Há uma historia famosa no Zen, em que um Monge chega num eremitério numa montanha e estava muito frio, e tem uma estátua de Buda de madeira, ele parte a estátua, faz uma fogueira e dorme bem quentinho durante a noite. De manha chegam dois Monges e fazem um escândalo: “Mas como, você queimou o Buda”?
Existe uma lenda de que quando alguém, um grande homem como Buda é cremado, aparecem pequenas joias, que se chamam “sariras”, então o Monge remexe as cinzas e diz: “É mesmo! E onde estão as sariras”? É como se a gente perguntasse: “Queimei, onde estão os ossos?” Porque é madeira. Isso revela um dedo que o Zen está sempre apontando à iconoclastia. Não transforme as coisas em outras.
Tem uma historia Tibetana também, de uma senhora velha que ia morrer e o filho ia fazer uma peregrinação pra índia, e ela pediu a ele que lhe trouxesse um dente de Buda. E, claro, ele não tinha como achar um dente de Buda, de modo que quando ele voltou no caminho, pegou um dente de cachorro que pegou na estrada e poliu, deu formato de um dente humano, colocou numa caixinha e levou para a mãe. Ela ficou maravilhada e construiu uma pequena estupa, um relicário, e colocaram lá o dente e as pessoas todas dos vales começaram a fazer peregrinações para reverenciar o dente de “Buda”. E assim, com o tempo, o dente começou a brilhar.
O espírito da estória é evidente, quem faz o relicário? Quem faz o dente brilhar? É só um dente de cachorro. Mas a reverencia de todos faz o dente brilhar. A estátua de Buda aqui atrás também, é só um material qualquer. Mas nós a reverenciamos, reverenciamos, reverenciamos e ela se torna importante, porque a reverenciamos. É a mesma coisa com todas as coisas que nós fazemos. Rakusu, o manto budista, você não entra com ele no banheiro, tem que dobrar, colocar no altar, o rakusu você costura, trata ele de maneira especial então ele se “torna” um rakusu. Mas, tecnicamente o que é? É só um pedaço de pano. Nós é que o transformamos, como uma forma de prática, porque precisamos de certas coisas assim, e elas fazem diferença.
Imaginem que o Monge se vestisse sempre de abrigo. Seria diferente. Eu sei que é diferente. Quando chego em qualquer cidade, vou fazer uma palestra, você estar vestido de monge faz uma grande diferença. Então você se comporta diferente, as pessoas te olham diferente, ganha um poder. É um poder que às vezes remove sofrimento. A pessoa vem diz que tem certa angústia, você diz alguma coisa para ela que a vizinha poderia ter dito mas como foi um monge que disse, então funciona. Não podemos perder de vista estes fatos, pois eles são assim mesmo, então os rituais têm sentido, as roupas têm sentido. Embora pareça que algumas pessoas tenham resistência aos rituais por exemplo, na verdade é cegueira.
Uma vez eu estava com um rapaz e ele me disse: “eu detesto rituais”. E eu disse: “não é verdade”. “Por que o senhor diz isso”? “Porque eu entrei aqui na sala e você me estendeu a mão. Se eu tivesse ignorado o ritual de apertar as mãos, você teria se sentido ofendido, então você leva em conta os rituais sim, você acredita neles, tanto que acredita num aperto de mãos, que não é nada mais que um ritual com o qual você se acostumou”.
Então os rituais têm poder, nós seres humanos somos assim, aliás muito ritualistas, muito.