quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Não mais de uma dúzia
Pergunta: Dentro do tema que o senhor estava colocando, realmente as experiências podem se chamar samadhi? Existe algo maior ou mais prolongado? E isto seria a transmissão?
Monge Genshô: Varia de pessoa para pessoa. Há pessoas que amadurecem lentamente e há pessoas que têm uma grande evolução, uma grande experiência. Só para corrigir algumas palavras, “samadhi” é concentração, não é kensho. Samadhi é você estar sentado em zazen e penetrar num estado de “estou aqui presente, realmente ouvindo tudo e não estou sendo arrastado por pensamentos, emoções, eventos, isso não está acontecendo, estou realmente aqui”. No momento em que você pensar “ah, samadhi! Eu estou...”, já perdeu, já não é mais samadhi.
A segunda correção é sobre a transmissão. Transmissão no Soto Zen é um “reconhecimento”. Seu mestre reconheceu em você uma experiência, uma qualidade. Você conseguiu mostrar para ele isso, então, ele diz: “Eu estou transmitindo para você essa lâmpada, você agora também é um portador da lâmpada então, transmita essa lâmpada, essa luz pra outros, faça os outros despertarem e dê a eles a lâmpada também, para que nossa linhagem continue.”
Temos 2600 anos de transmissão viva. Isso é tão importante no Zen que, de manhã, nós recitamos os nomes de todos, desde Shakyamuni Buda: “SHĂKĂMŬNĬBŬTSŬ DĀIŎSHŌ. “Butsu” é Buda. MĂKĂKĂSHŌ DĀIŎSHŌ, ĂNĀNDĂ DĀIŎSHŌ, SHŌNĂWĂSHŬ DĀIŎSHŌ, ŬBĂKĬKŬTĂ DĀIŎSHŌ. Recitamos os nomes de cada um que foi passando a lâmpada pro outro. Hoje de manhã recitamos até TĀI·GĀN DŌ·SHŌ DĀIŎSHO. Normalmente, nós paramos em Keizan, porque depois de Keizan as linhagens se dividem no Japão. Então, recitamos até TĀI·GĀN DŌ·SHŌ que é Saikawa Roshi. “Saikawa” é o nome de família dele. O nome de Monge é TĀI·GĀN, TĀI·GĀN DŌ·SHŌ. Se eu conseguir dar a transmissão para alguém, então vamos ter na lista após a minha morte, TĀI·GĀN DŌ·SHŌ DĀIŎSHŌ, MEIHÔ GENSHÔ DĀIŎSHŌ. E vamos recitar até ali. Se eu não der a transmissão para ninguém, meu nome está apagado da história das linhagens. E isso é um evento bastante comum. Muitos professores não conseguiram dar a transmissão para nenhum aluno. Então, isso que é a transmissão no Soto Zen, um reconhecimento.
Você pode ter um aluno leigo que se iluminou e não existe a cerimônia de “shihô”, de transmissão para ele, só existe de monges para monges. Então, embora esteja iluminado fica entre nós. Fica entre nós, porque ninguém sai dizendo isso. Há pessoas que saem dizendo, “eu sou iluminado”, vocês podem achar facilmente na Internet, mestres iluminados. Esses dias alguém me falou que havia uma pessoa num fim de semana dando um curso de três dias para a iluminação e que custava cinco mil. Alguma coisa assim.
..................
Monge Genshô: Bem barato. Se somarmos os sesshins aqui... ainda não dá isso e não tem garantia. Então isso existe bastante, mas aqui no Soto Zen não há garantia alguma. E se alguém diz “eu sou iluminado”, nós já sabemos que não é, porque a própria declaração “eu sou” é uma declaração de separação - eu e não os outros. Então, essa declaração jamais é dita. Shunryu Suzuki, autor daquele famoso livro “Mente Zen, Mente de Principiante”, conta-se que um aluno chegou para ele e perguntou: “O senhor é iluminado?” E ele olhou para o aluno e disse: “Não.” E o aluno estava olhando nos olhos dele e começou a chorar, essa história é interessante.
Alguém também perguntou: “Há muitos graus de iluminação, né”? Alguém conseguiu uma compreensão, alguma coisa, o Mestre reconhece isso, dá a ele a transmissão para continuação da linhagem, e diz: “Continue, você precisa praticar ainda mais 40 anos”.
Estamos cheios de histórias nos Sutras, de monges que se iluminaram, despertaram e aí então ficaram mais vinte anos treinando junto com o mestre, antes de começar a ensinar. Isso é que é a prática. Então existe essa iluminação que eu disse, iluminação bem rasa. Pouca coisa. Conseguiu pouca coisa, mas já foi reconhecido, recebeu a transmissão. Mas alguém perguntou para Shunryu: Suzuki “Quantos mestres verdadeiramente, completamente iluminados, há no mundo?” Aí Shunryu Suzuki disse para ele: “Não mais de uma dúzia.” No mundo todo. Não mais de uma dúzia! Isso nós temos que levar em conta. Qualquer experiência iluminada que vocês tenham é extraordinária em si, mas também é muito simples, não é grande coisa. Porque quando você recebe a transmissão, aí o Mestre diz: “bom, agora que começa, agora que começa seu treinamento”. Antes foi só preparação. Você sempre vai ter essa sensação de que está começando.
Marcadores:
budismo,
iluminação,
início,
kenshô,
linhagem,
mestres,
preparação,
reconhecimento,
samadhi,
separação,
só o início,
Soto Zen,
transmissão,
uma dúzia,
zen