quinta-feira, 11 de setembro de 2014
Livre arbítrio
Pergunta: Como a meditação nos ajuda a atingir o despertar?
Monge Genshô – Te dando lucidez. A meditação ajuda para obter clareza. Quando eu digo isto sobre a floresta e sobre o mar, numa analogia à humanidade, é porque sentado em meditação eu senti isso. Então eu posso falar. Você usa o seu corpo como âncora para estabilizar a sua mente, e à medida que com a sua mente você vai a níveis mais profundos de consciência, passa a compreender coisas que não compreendia antes, não com o seu raciocínio, mas com seu sentimento. Se você for a um nível mais profundo, nenhuma pergunta resta sem resposta. Uma vez eu me reuni com um empresário de palestras, e ele me falou que “perguntas e respostas são sempre perigosas”, porque imagine se alguém faz uma pergunta e o palestrante não sabe responder? Mas, na verdade, para um professor do zen, qualquer pergunta é admissível, e você tem que responder todas.
Pergunta – Tem como o senhor falar um pouco sobre a visão que o senhor tem do livre arbítrio? Nós temos livre arbítrio?
Monge Genshô – Em parte, sim. Mas de maneira muito limitada. O livre arbítrio foi apresentado como uma construção para tornar um criador inocente das consequências (da criação). Se o criador fosse responsável por todas as consequências de tudo o que ele fez, se ele soubesse de tudo, ele seria tão responsável quanto qualquer artífice que faz uma coisa que dá errado. O livre arbítrio me faz lembrar-se de uma frase do João Ubaldo Ribeiro, que morreu estes dias, no livro sobre luxúria: - “Como alguém pode se sentir culpado de sentir algo que foi criado para sentir?”. Então quando nós dizemos livre arbítrio, você tem que se perguntar se você o tem realmente sobre o crescimento de sua barba, por exemplo. Não, não tem. Diante de quem? Da testosterona? Dos hormônios do seu corpo, que podem alterar o seu humor e seus desejos? Você é livre realmente, ou em grande parte sua conduta é ditada pela sua própria condição de ser humano? Então em que medida nós estamos realmente livres nas nossas decisões? Normalmente nós fizemos uma corrente de acontecimentos que nos conduzem numa determinada direção. Às vezes nesta corrente existe um remanso e você tem a oportunidade de nadar para o lado, de mudar o rumo da sua vida. Às vezes você tem grandes momentos de escolhas, uma escolha pequena que pode causar um enorme resultado, como aquele exemplo do efeito borboleta. Mas em grande parte a nossa vida vai transcorrendo numa corrente lógica. Vocês precisam comer, então precisam trabalhar, precisam ter renda, e precisam disso e daquilo. Então, as escolhas que fazemos têm que ser amadurecidas e às vezes levam anos para que possam ser executadas, devido à própria contingência da condição humana. Mudar o carma é complicado, precisa grande esforço. É possível? Sim, é possível. Claro que é possível. Mas vai demandar esforço, tempo... agora dizer que uma pessoa é verdadeiramente livre, é ignorar as condições em volta. Você vai dizer a um rapaz criado numa periferia violenta de uma grande cidade que ele teve livre arbítrio? Nós temos que pensar no carma. Quais foram as circunstâncias pregressas que resultaram nesta condição? O objetivo de agora em diante, portanto, é saber como conseguir se livrar destes condicionamentos e energias aprisionantes a certas formas de reação.
Pergunta – Mas quando se fala em livre-arbítrio, eu me reporto àquela ideia de que todos os dias nós temos a possibilidade de escolher este ou aquele caminho, de ir para a direita ou esquerda, por exemplo... se não, a impressão que fica é que estamos totalmente presos, sem possibilidade de mudança...
Monge Genshô – Sim, nós temos alguma opção, mas isso não pode ser confundido com liberdade plena. Eu não posso chegar e dizer assim: - “Você é culpada por tudo o que está acontecendo na sua vida, desde o seu nascimento”. Não é verdade! Você já nasceu no Brasil, isso já muda as coisas. Se você tivesse nascido na Noruega seria diferente. Uma coisa é você nascer na Faixa de Gaza, outra coisa é você nascer em Luxemburgo. Então o livre arbítrio ocorre em termos, porque você tem alguma liberdade, mas ela não é tanta assim. E a maioria das pessoas que eu conheço, têm suas vidas condicionadas desde a infância, com coisas que começaram muito remotamente. Com papai, com mamãe, com dado país. Até o fato de você ter nascido mulher, dá para mudar? Olha, até dá, mas é complicado à beça. Então você é completamente livre? Não! Grande parte do que você é já está predeterminado agora. Na verdade este conceito de livre arbítrio não pertence ao budismo. Nós estamos comentando aqui, mas ele veio de outra cultura. Ele vem de um raciocínio medieval para solucionar a questão da responsabilidade do criador na existência do mal. É isto! Mas o budismo não tem criador, portanto esta questão em essência não se coloca.