terça-feira, 2 de setembro de 2014

Saia de você!


 (continuação)
Se eu não apenas acreditar, mas escolher e apontar um escaninho como o único que é certo, automaticamente eu também estarei admitindo que todos os outros [caminhos] estão errados. Este é o cerne da divisão, baseado no dualismo da verdade/mentira, certo/errado. É daí que surge o conflito. Se nós fôssemos capazes de abandonar estas classificações, automaticamente o conflito desaparece porque a separação desaparece.

Nós queremos classificar as pessoas em raças, por exemplo. E isso é muito interessante acontecer num país de mestiços como o Brasil, aonde a gente olha nos rostos e vê em cada um várias raças misturadas. De modo que é extremamente difícil classificar os brasileiros como esta ou aquela raça. Contudo, continuamos insistindo tanto nisso que até criamos leis ou mecanismos para “enquadrar” as pessoas em escaninhos. Então, se as pessoas não se classificarem, nós as forçamos a fazer isso. – “Declare! Qual é a sua face? Qual é a sua raça?”. Nós fazemos isso por imposição.

Nós estamos aqui para ajudar os outros seres e esquecer-nos de nós mesmos é a essência do budismo. O sofrimento existe na noção de um “eu” separado. Porque eu me acredito separado, então gero sofrimento. E as vezes as pessoas vem até mim e dizem que têm um grande problema de depressão, de tristeza, de tantas coisas ruins, e normalmente eu recomendo uma coisa: - “Saia de você!”. Pare de olhar para o seu umbigo. Se você sofre de solidão, há crianças nos orfanatos e idosos em casas de repouso que adorariam receber visitas. Há muitas pessoas que estão muito necessitadas que alguém vá até elas. E você permanece em casa pensando em sua solidão? Saia daí e vá visitar os verdadeiramente solitários! E se você for visitar os verdadeiramente solitários, você se livrará de sua solidão. Mas, na verdade, as pessoas dificilmente seguem esta receita.

Todas estas angústias surgem dentro da mente, quando acreditamos na ideia de um “eu” separado. Por causa disso criamos todos os outros conceitos, que levam a separações, a divisões e às lutas entre crenças, entre raças, entre qualquer coisa. Todas elas são oriundas do mesmo engano fundamental, o engano que diz que eu sou um ser separado. Se nós entendermos que originalmente nós não éramos seres separados, nós éramos a própria vida se manifestando, mas alguém nos ensinou que nós temos um nome, que nós somos um alguém. E quando nós acreditamos neste alguém, imediatamente surgem junto os conceitos de “eu”, “meu”, “minha”. Ao dizer “isso é meu!”, a pequenina criança já começa a lutar. – “Não beba a minha água! Este é meu copo!”... imediatamente, então, está criado o conflito.
(continua)