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segunda-feira, 22 de junho de 2015

ALIMENTANDO SONHOS



Pergunta: Queria que o Senhor fizesse uma relação, se é que tem, com os sonhos. Porque quando estamos muito perturbados, nós sonhamos muito?

Monge Genshô: Os sonhos são um retorno daquilo com que você alimentou a sua mente. Voltando à história do computador. Quando nós temos uma perturbação, ela é como um vírus. Ele traz para a tela o que você não quer. De novo, você não quer aquilo, mas ele traz de novo, de novo, sempre a mesma coisa. Ou seja, sua mente está contaminada, doente e ela volta a apresentar sempre a mesma a coisa de novo. É como se você tivesse um vírus dentro da mente. O que temos que fazer é a mesma coisa, você tem que reprogramar sua mente e seus sonhos se alterarão. Existe um momento em que você vai praticando, praticando, e os sonhos mostram aquilo que você está sempre alimentando. Eu sonho que estou fazendo palestra do Dharma. Isso é natural, porque minha mente está funcionando assim, nesse tipo de frequência. Como é que dizem agora, “vibe”, né? (risos). Ela está funcionando nesta frequência, então, ela apresenta aquilo com que a estou alimentando.

Agora, uma boa comparação é, "tem gente que gosta de assistir filme de terror".  Eu não entendo bem isso, até porque os filmes de terror são muito estranhos. Nesses dias, estava com um filho meu e ele estava vendo um filme de Merlin. Tinha um esqueleto andando. E eu perguntei para ele "meu filho, e esqueleto pode andar sem músculos?". "É, não pode.". Então é tudo muito idiota, né? (risos). Você assiste filmes de terror, coloca isso dentro de seu cérebro. Aqueles "cookies", "arquivos temporários", aí você coloca mais "arquivos temporários" dentro da sua mente para facilitar abertura daquela coisa. Quando você dorme, o que sua mente vai produzir? Vai produzir com aquilo que você a alimentou. Você encheu a cabeça com aqueles arquivos e os arquivos aparecem no sonho. Então você sonha de novo com uma coisa inútil, com maus sentimentos, com medos, não tem sentido algum. Vocês deveriam tomar cuidado com o que alimentam sua mente. Ler coisas boas, assistir coisas boas, tudo o que eleva, e não assistir o que rebaixa.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Possível mas raríssimo


Pergunta: Como o Budismo vê a relação mente e cérebro?  Por um lado poderíamos pensar que a mente é um reflexo do cérebro, o que poderia sugerir que somos escravos do que nos acontece. Talvez através da meditação poderíamos alterar o estado do cérebro e automaticamente a mente. Por outro lado o funcionamento do cérebro permite o uso da linguagem e é como se a mente tivesse vida própria.

Monge Genshô – Em primeiro lugar, essa colocação, “como o Budismo explica...?”. O Budismo não se dedica a dar explicações. Esse problema das explicações é com a ciência. O que a ciência faz é procurar descrições e explicações que se aproximem da realidade observada. Caracteristicamente, e por isso, a ciência é o que é, essas explicações podem ser declaradas erradas e substituídas por outras melhores e isso pode acontecer sem parar. Ou seja, não existe nenhuma afirmação em termos de ciência que possamos chamar de "verdadeira". De outro lado, o Budismo não declara nenhuma verdade. Ele usa um método para libertação e usa raciocínios para você enxergar as coisas, ou seja, tudo é demonstrável e não depende de fé. Todos os raciocínios que fiz sobre a vacuidade inerente aos “eus”, dando o exemplo da casa e do copo, não passam de raciocínio demonstrável. Qualquer um pode chegar à mesma conclusão. Isso é o Dharma em si. O Dharma de Buda não é uma exclusividade de Buda, ele está presente e pode ser redescoberto. Por isso, quando recitamos os nomes dos Budas, recitamos seis nomes de Budas míticos antes de Shakyamuni Buda. Eles não existiram, são Budas míticos. O primeiro Buda histórico foi Shakyamuni Buda. Mas então porque recitamos seus nomes? Para que todos entendam que surgem Budas e, qualquer um, pensando, meditando e despertando, pode chegar ao Dharma. Vamos dizer que a cada era surge um Buda, ou seja é possível mas é raríssimo.

O Budismo também não é dono do Dharma, nem detém uma verdade exclusiva, nem o Zen. É apenas um método e um método apropriado para algumas pessoas, outras não. Sobre a pergunta sobre mente e cérebro, eles estão ligados, assim como mente e corpo estão ligados. Não separamos isso. Se você interferir no seu corpo, sua mente se alterará, se você comer mal seu cérebro e sua mente serão atingidos, se você come muito, fica sonolento. Se tomar uma substância alucinógena, seu cérebro será perturbado e poderá ter alucinações confundindo isso com realidade ou iluminação, o que não é nem uma coisa nem outra. Estamos procurando clareza e não obscurecimento, não fantasia. Já temos fantasias demais. Para quê tomar qualquer substância que altere a consciência?  É absolutamente vetado para o praticante Budista tomar substâncias que alterem a consciência, é um grave erro que não levará a lugar algum. Só pode levar a mais confusão e já somos confusos o suficiente.
(continua)

segunda-feira, 25 de março de 2013

Sem lembrar do passado


O comentário importante é que nós estamos sentados aqui e as mentes estão agitadas, ainda que sentados os pensamentos ficam retornando. E se vocês pensarem sobre o sentido, vejam se não é assim – Pensei isso, considerei isso. E a medida que o sesshin (retiro) vai avançando esses pensamentos vão sumindo. São bobagens, considerações sobre o futuro ou passado e são nossa perdição. Não somos felizes porque não conseguimos ficar completamente no momento presente. Se conseguíssemos agarrar esse momento presente com nitidez, obteríamos uma presença perfeita e uma felicidade perfeita. Nossa mente não estaria turbada com as considerações passadas. 
É como encontrar um inimigo na rua,  um inimigo do passado, mas com uma mente nova que surgiu da prática, olhar para o inimigo e ver apenas um ser por quem você sente compaixão, afeto e que no fundo é você mesmo, você sente isso. Olhar para essa pessoa e ter todos esses sentimentos de irmandade perfeita, de unicidade perfeita, sem nenhum sentimento de ódio, nenhum mau sentimento. É claro, nossa maneira de sorrir e cumprimentar parece absurda e incompreensível para aquela pessoa, mas seu sentimento é puro, completamente puro, não está conspurcado por pensamentos quaisquer de aversões que você cultivou. 
Se você conseguir ter essa visão das pessoas com quem você teve algum atrito ou qualquer sentimento negativo, então aí você esta realmente conseguindo ser um praticante Zen. Caso contrario você será apenas alguém brincando de fazer meditação. Senta e quando está sentado pensa – Eu ainda me vingo. O que você tem que fazer? Olhar essa mente de dizer – Por que é que eu me perturbo, porque é que me incomodo com essa pessoa? De onde vem isso? Você irá descobrir que vem de sua vaidade, seu apego, da sua possessividade, do seu desejo de retaliar, quaisquer desses sentimentos menores todos baseados numa única pedra fundamental, a pedra do ego, do egoísmo, do eu separado. Eu não sou o outro, não compreendo o outro, não perdôo o outro, não tenho compaixão pelo outro etc. 
 Noto que as pessoas tem grande amor, sentem amor por filhotes de animais, são inocentes, não agressivos, são carinhosos, todos querem pegar filhotinhos de cães e gatos. Mas basta que eles tenham algo mais, uma personalidade qualquer ou se tornem adultos que isso desaparece, porque passam a ser ameaçadores para nossos próprios egos. Nossos egos não querem egos que venham a competir conosco. Somos carinhosos com quem é muito frágil, mas não com aqueles que são como nós. Nossos desafetos são sempre pessoas como nós, em quem nós vemos alguma rivalidade. Aí que estão as manifestações de nosso ego. A verdadeira prática é a modificação dessas atitudes, desses pensamentos.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A emoção perturbadora





(continuação)
Pergunta: Quando ele usa a expressão “apagamento da memória”, não é bem assim, não é um apagamento da memória. 

Monge Gensho: Não, se fosse simples assim, se apagaria a memória e estaria tudo resolvido. Na realidade, tudo está disponível, mas existe pleno domínio, você vai acessar o que quiser, como acontece no computador, onde você só acessa o arquivo que deseja. A emoção perturbadora é como um vírus que se encarrega de abrir arquivos que você não quer abrir. Você deixou que o computador fosse infectado por uma emoção e, daí, ele abre arquivos que você não quer, quando ele quer, e estes arquivos estão sempre retornando na tela, ativados por um vírus destruidor que traz lembranças e emoções de volta, e você não tem mais domínio nenhum. Domínio zero, esse é o estado em que as pessoas normalmente vivem.

Observação de um aluno: Mas isso é como uma crise...

Monge Gensho: Mas as pessoas vivem normalmente assim, as pessoas que estão andando na rua, elas estão numa espécie de sonho que elas não dominam, elas estão andando na rua, mas não estão vendo a rua, não estão no momento presente, estão pensando: “a conta que tenho que pagar, será que isso vai dar certo, será que Fulano gosta de mim?” Pensam em qualquer coisa, é uma sucessão sem fim, rodando uma depois da outra, mas não estão realmente andando na rua, estão vivendo um sonho, por isso não estão acordadas. No budismo nós treinamos nossa mente para despertar, para sermos donos do sistema, para abrirmos os arquivos que quisermos quando quisermos, para não sermos dominados por uma emoção invasiva. Estamos treinando. O termo para meditação em sânscrito é “bavana”, e significa “treinamento”. Na verdade, nós estamos criando uma habilidade, a habilidade de sermos senhores da mente e não sermos levados pela torrente. Podemos fazer o que quisermos, quando quisermos. Podemos abrir o arquivo que quisermos, não sofrer inutilmente, não sermos arrastados por emoções. Podemos ser sensatos.

Observação: (...) “pare de chorar e chore depois”. Há um tempo atrás eu pensei “como é possível? Chorar, parar para depois poder voltar a chorar? Isso é possível, eu escolho?”

Monge Gensho: Você pode escolher “eu vou chorar agora, na frente dessa pessoa para mostrar a minha emoção, eu quero mostrar”, ou, “agora não é o momento de mostrar emoção”. Não significa que a emoção “NEN” não exista, mas você tem o controle sobre fazer aflorar ou não deixar aflorar uma emoção. Não é que não exista, não é que seja fingida, não é isso. Posso mostrar, ou não. Posso mostrar a ira para mostrar para uma pessoa que o ato dela é profundamente errado; então, naquele momento, tem que mostrar ira e isso é um meio hábil para corrigir uma situação.

Observação: (...) os mestres podem se mostrar irados?

Monge Gensho: Sim, porque eventualmente o mestre precisa da ira, mas isso se dá da seguinte forma: “Isso está muito errado”. Pode até gritar e acabou, ele sai e deleta tudo, só mostrou porque era necessário naquela hora fazer aquilo, mas, se a mesma pessoa for falar com ele dez minutos depois, não existirá mais nada. Foi necessário demonstrar ira somente naquele momento, porque é a maneira de você agir no mundo, tem que usar o eu e as emoções também.

Observação: Mas é preciso controle total...

Monge Gensho: Sim, mas não é nada milagroso, porque quando você está sentado em zazen, você está treinando isso. Surge um pensamento e você pode controlá-lo, um impulso de pensamento, você pode parar a respiração e fazer com que ele não surja, como na técnica do bambu. Você pode rotular o pensamento pensando sobre isso, para enfraquecê-lo. Mil vezes ele surge, um pensamento corrente perturbador no zazen, e você pode rotular, “pensando sobre isso de novo”, daí volta para samadhi, e tenta voltar para o momento presente.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Os ganchos do eu


(continuação)
Voltando à questão dos ganchos. Eu com ganchos. Os ganchos podem agarrar coisas e nós ficamos pendurando muitas coisas em nós. Imaginem se fossemos como colunas com ganchos. Um colecionador tem muitos ganchos, porque ele precisa ali pendurar muitas coisas que são suas. Alguns ficam doentes, obsessivos e enchem suas casas de coisas porque não podem se desfazer de nada, juntam sem parar. Mas, muitos de nós, não são doentes, no entanto, temos muitos ganchos, onde se podem pendurar outras coisas. As ofensas são assim. Quando alguém toca na nossa sensibilidade, no nosso eu, aquilo fica pendurado.

Imaginem estas colunas cheias de ganchos. Como seria quem tivesse se livrado do seu eu? Ele seria liso e não teria nada onde algo pudesse se enganchar. De modo que se alguém passasse por ele na rua e dissesse um monte insultos, ele poderia continuar caminhando sem se importar com nada, porque não tem onde aquilo ficar pendurado. Não é assim? Então que nós consigamos ir retirando os ganchos de nós mesmos para que nada fique pendurado neles. Assim, então, nós seriamos verdadeiramente livres, porque quem tem muita coisa pendurada, é escravo desses sentimentos e não está livre. Porque esses sentimentos estão ali, eles nos perturbam e amarram.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Abster-se das conversas vãs


Praticantes caminham em silêncio. Sesshin, Florianópolis, junho 2010.

8. Abster-se das conversas vãs
Abster-se das conversas vãs significa desapegar-se da discriminação arbitrária; quando nós compreendemos a realidade plenamente, nós não mais nos envolvemos em conversas fúteis.
O Buda disse: “Praticantes! Se vocês se entregarem a diversos tipos de conversas fúteis, sua mente será perturbada. Daí, mesmo se vocês se tornarem monges, não alcançarão a iluminação. Por isso, vocês devem imediatamente abandonar esse tipo de conversas. Apenas aqueles que fazem isso podem experimentar a tranqüilidade e bem-aventurança do Nirvana.”

Os Oito Aspectos da Iluminação
(HACHI DAININ KAKU)
Dogen Zenji
Tradução para o Português de Giovanni Dienstmann*

quarta-feira, 17 de março de 2010

Voltar à Paz



P: Na maior parte das vezes que me sento, não fico verdadeiramente em zazen, fico remoendo problemas, medos e angústias.

Sabe, quando volto de um retiro, parece que consigo "tocar a face de Buda", contudo, conforme os dias vão passando a "cegueira" volta tão intensa quanto antes. Estar imerso num mundo de objetos, sensações, pensamentos e pressões (externas e internas) me impedem de manter a paz que encontro por ocasião de um seshim. Que fazer?


R: Creio que todos somos como você descreve, temos dificuldade em manter o que conseguimos nos retiros, mas para que zazen seja zazen é preciso esforço, ou seja a cada momento em que os pensamentos e emoções surgem é preciso retornar ao zazen, ou seja ao momento presente, se recuse a remoer os problemas, agarre-se a respiração.
Uma técnica possível é a do bambu, significa interromper a respiração a cada vez que um pensamento ou emoção surgem, como os nós do bambu a expiração fica entrecortada pelas interrupções conscientes. Isto ajuda a controlar o fluxo mental e retornar continuamente ao agora. Tente.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A prática da meditação


Meditação Zen - A prática da meditação traz a paz interior.

Vamos falar sobre o zazen. Meditar é voltar para nosso verdadeiro si mesmo. Esse si mesmo é aquilo que tem a natureza búdica. Aquilo que nós realmente somos. Aquilo que todo universo em volta de nós também é – e que aparece sob a forma de manifestação. Então, esta pura natureza original é aquilo com que nós realmente sentamos, porque o resto todo, todas as nossas ilusões vão sendo descartadas ao longo de meditações, zazen após zazen.

Na medida que a gente vai vivendo este processo de fazer o zazen é como se nós fossemos descartando coisas de nós mesmos e ficasse sobrando uma coisa única, pacífica, uma coisa com paz e é por isto que tudo começa a ficar mais bonito porque nós começamos a descartar tudo aquilo que está em volta da nossa verdadeira natureza, da nossa natureza búdica.

Esta é uma oportunidade muito interessante porque aqui sentado agora, zazen após zazen, você tem que observar que espécie de pensamento surge na mente. Que mente é esta, porque estes pensamentos e conteúdos que aparecem é aquilo que vocês verdadeiramente são. Então o zazen pode ficar difícil, porque de repente nós vemos a nós mesmos. Quem sou eu? Você é aquele conteúdo que está se apresentando porque você não é algo especial, você é um funcionamento, uma mente funcionando, um corpo funcionando. Como é que você se manifesta? Você se manifesta de acordo com aquilo com que você alimentou a sua mente, com aquilo que você colocou na sua vida dentro de você. Você não consegue evitar. Não tem como obstar isto. Este é o você que você construiu com aquilo que leu, com aquilo que amou, com aquilo que determinou, com os problemas que teve, com os planos que você está fazendo para o futuro. Estas coisas são as que vão aparecer

Tudo o que eu sinto é conteúdo da minha mente, é só a minha mente não é mais nada, porque se eu tirar o conteúdo todo da minha mente vai sobrar o que? Este lindo dia, este ar entrando pela janela, o sol lá fora, a respiração na almofada, a parede na nossa frente, e isto é perfeito. Torna-se imperfeito porque nós deixamos entrar todo o resto, todos aqueles conteúdos e são estes a verdadeira perturbação que nós temos

Voltar. Este voltar para o momento presente é realmente difícil por causa de todos os conteúdos com que nós nos alimentamos. Por isto na vida real nós deveremos evitar também as coisas que entram na nossa mente e a alimentam de forma errada. São os filmes, os programas de TV, os vídeos etc, as conversas e todas as coisas que não são boas. Vocês já sabem que não são boas e são perturbações, conteúdos que não constroem felicidade para você, mas nós somos muito viciados neles e então nós vamos procurá-los porque eles são prazerosos ou meramente interessantes. Até que você tenha uma mente imperturbável, você tem que evitar estas situações. Quando você tem uma mente que não deixa entrar os sentimentos você pode assistir a um filme vendo apenas o filme, sabendo que é meramente fantasia e não sentindo abalos. Se você não os tem, se os sentimentos conseguiram ficar de fora, então você está pronto para ver. Agora enquanto você assistir e ele o influenciar então a sua mente não está livre ainda. Você ainda é alimentado, arrastado por aquelas coisas. Quando você vê alguém no filme, um personagem que está procurando vingança e torce por ele, enquanto você sente esta satisfação no lugar dele a sua mente não é livre. Você é arrastado por aquilo que está vendo. Então se você é arrastado por aquilo que está vendo tem que evitar tudo o que arrasta.


Por isto em um retiro a gente faz um modelo. Este modelo é não alimentar a mente com nada. Então zero notícias, zero leituras que não sejam o Dharma, zero conversas, zero músicas, nada. Os sons que nos chegam já são suficientes quando vocês estão sentados no zazen, já tem de madrugada os animaizinhos que correm em cima do telhado, depois os cantos dos galos, as cigarras. As coisas estão bem quando você ouvir estes sons e sentir grande alegria como se fossem presentes. Estar aqui parado, sentado, que lindo o som desta cigarra começando a tocar, parece um prazer. Aí você está bem porque você está realmente ouvindo a cigarra. Se tivesse uma televisão na sala nós ignoraríamos a cigarra, nós não estaríamos aqui de verdade.

Nós somos um com o universo inteiro mas não o sentimos Não percebemos assim. Nós nos sentimos como? Separados, cada um sentado na sua almofada. Por isso em retiros zen a gente faz tanta pressão no sentido tudo junto, tudo junto. Não pense, não decida, não faça, vá junto com o fluxo, obedeça sinais sonoros, comece as coisas na hora junto com todos, termine junto com todos, faça reverência junto com todos, não cogite, não ache bom, não ache ruim, faça junto, só isto. Para que? Para voltar, voltar para nós mesmos porque nós nos perdemos de nós mesmos com os nossos pensamentos.

Se nossa mente estiver silenciosa então há espaço para a unidade. O homem cansa, a gente cansa e então surge o espaço para a gente perceber a Vida-universal. Quando vocês estão em zazen prestem bem atenção, às vezes o sono começa a tomar conta e naquele momento que o sono está chegando se a gente não se entrega para o sono e abre os olhos, aquela mente que vem a ser um pré-sono ela é uma mente muito especial, muito vazia, então este é um bom momento de agarrar aquele estado. Mas se você deixar que o sono se instale aí você dorme e entram outras fantasias. São as fantasias dos nossos sonhos que também manifestam o conteúdo da nossa mente. Então enquanto estamos fazendo zazen estamos sonhando acordados e se nos libertarmos do sonho então poderemos ver a perfeita felicidade e é a percepção da Vida-universal, da unidade. Quando percebemos isto, nosso verdadeiro eu, então nos sentimos muito, muito bem e aí desejaríamos não sair daquele estado nunca. Mas quando surge este sentimento, este sentimento também é uma armadilha porque é armadilha ficar neste estado prazeroso. E este estado prazeroso a gente começa a atingir na prática, mas também não deve se agarrar a ele, tem que ir mais longe.

E por isto na Escola Soto, Dogen já ensinou assim: sente, sem procurar atingir a iluminação, só pratique aqui sentado porque já é uma mente iluminada a mente sentada ou tem grande potencial de ser. Não tente alcançar nada porque se você ambicionar alcançar isto também vira outra armadilha. Uma mente aquisitiva, um materialismo espiritual, a tentativa de obter algo para si mesmo. Não precisa. Só sente e olhe, mais nada.

Às vezes a palavra zen é muito mal usada. Quando dizemos, esta pessoa é zen. Não. Zen também é encontrar a infelicidade, o sofrimento, então devemos andar dentro do sofrimento completamente. Saber sofrer também é a prática do zen. Entender a infelicidade completamente, percebê-la inteiramente. O pensamento que vem com ela, o sofrimento que vem com ela, a angústia que vem com ela também.

Monge Genshô (palestra em sesshin)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O que pode ser perturbado?



P: Se tudo é impermanência, pode haver permanente paz interior(impertubabilidade)?

R: Se não houver mais ego o que há para ser perturbado?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Árvores juntas crescem retas



Acho que preciso aclarar que existe o budista cultural, o budista de convicção, o budista de formação familiar e o que já pertenceu a uma Sangha quando esteve num mosteiro. Porem, se ele não pratica junto a um grupo, ele não é um budista no conceito de refúgio, que é mais exigente. Mesmo que não gostemos é exatamente por isso que precisamos estar junto a um grupo. Há duas imagens fortes para isso: o arroz é pilado junto com outros, para perder suas cascas, é o atrito que faz isto. Na Soto Zen o símbolo do monge é uma folha de pinheiro, porque os pinheiros crescem retos se estão juntos com outros, assim, com estes pode se fazer mastros de navios, retos e direitos, os pinheiros que nascem isolados ficam tortos. Assim, os praticantes que acham que podem crescer sozinhos desprezam a ajuda que a crítica e desconforto dos outros produz em nós.
Acham melhor não pertencer a grupos e permanecer sozinhos, nada é mais característico da dificuldade de perceber a unidade, e nada marca mais o sentido de separação, de individualidade, “eu aqui, os outros, esses pertubadores” que fiquem lá,como desenvolver uma mente tolerante e paciente evitando a comunidade?
É claro, que os praticantes budistas, os budistas de verdade, são poucos, e 90%, ou mais, dos budistas do mundo pouco sabem dos ensinamentos de Buddha, são budistas como 90% dos cristãos, nasceram e se sentem cristãos, mas não seguem os mandamentos e só relembram de Deus quando estão em crise, não são praticantes, são pessoas com um senso de pertencimento a algo. É interessante notar que, originalmente, só os que adentravam na Sangha eram os discípulos de Buddha, os outros eram os simpatizantes, o movimento Mahayana ampliou isso, podemos chamar os simpatizantes de budistas, mas pertencentes a Sangha só os que tomam refúgio nela, estes sim, são os praticantes budistas.
Assim repito que Buddha tinha sérios motivos para fazer seus monges viverem em comunidade, e há um grande motivo para as Três Jóias serem o Buddha, o Dharma e a Sangha, e o refúgio ser recitado em todas as cerimônias, se tirarmos uma destas três coisas podemos ter um budista, mas não um praticante budista no modelo de Buddha. Podemos até obter um iluminado pela prática solitária, porem a ele falta uma ação extremamente prezada no Zen, a atitude compassiva, que entende que ajudar os outros com sua presença e enfrentar os problemas de estar em comunidade é a grande prova da prática real.
Conta-se que um monge praticou sozinho, durante anos, numa montanha, achou-se iluminado e desceu até uma cidade, na praça do mercado, aqueles seres sonhadores, que ele olhou com superioridade. De repente, no aperto da multidão, um homem lhe pisou o pé com um tamanco de madeira, o monge sentiu-se invadido pela dor e raiva e empurrou o homem com ódio. Naquele momento ele percebeu que sua prática budista só era suficiente na solidão dos montes.

sábado, 22 de setembro de 2007

Zendôs precisam ser perfeitamente silenciosos?

Esta é uma questão relativa, nossa prática não pode ser perturbada pelos sons das crianças, senão como praticar no mundo? Por outro lado é evidente que não deveríamos ter um lugar de prática dentro de uma discoteca, ou na praça, embaixo do sol e chuva, mesmo que o mesmo critério, de ser capaz de praticar entre a perturbação, se aplique.
Portanto precisamos buscar um caminho do meio para não termos que lidar com mais obstáculos do que a maioria pode lidar, nem procurar que o zendô seja um lugar perfeito, nem permitir que por licensiosidade nossa ele se torne demasiado conturbado.